quarta-feira, 20 de março de 2013

A morte de Amanda: crônica ou ensaio mal acabado

Amanda morreu jovem, quase como começou. Nasceu devassa, com medo do desconhecido, mas com muito mais desejo, mais vontade do que medo. Às vezes hesitava, mas nunca deixava de realizar suas fantasias. Era promíscua, mesmo, porém vivia em paz com sua consciência, certa de que estava fazendo bem para si mesma e nenhum mal para os outros. Que mal poderia haver nisso? Puro feitiço disseminado pela moral esse de achar que Amanda era um ser repugnante. Nuvem de poeira jogada nos olhos dos homens de pouca visão.

Não chegara a sofrer desse mal, no entanto, o mal dos julgamentos. Estava protegida pelas máscaras que tornavam seus comportamentos invisíveis aos corações mesquinhos. Em todo caso, protegia-se. Quando estava entre pares, era um deleite só. Uma miríade de deleites, uma pluralidade de expressões vulgares que faziam-na transcender pela luxúria, pelo prazer de estar errando, ou melhor, de acertar errando, de comer e ser comida, de comer a si própria.

Amanda era jovem mulher selvagem, uma besta. Atiçava homens e mulheres e os atraía para seu reduto mais íntimo a fim de devorá-los. Às vezes homem, às vezes mulher. Às vezes ambos. Seu termômetro era o desejo, e que termômetro mais quente era o que aferia a temperatura do sangue fervilhante de Amanda!

Nasceu impura, consciente de jamais ter sido donzela. Nasceu pensante e pronta para as delícias do desfrute do corpo e de sua entrega ao prazer. Nem sempre sem dor, é bem verdade, mas ainda assim prazer. Rompeu paradigmas, estereótipos. Desfez o conceito de passividade feminina: era ativa, dominadora. Se queria, ia buscar. E trazia pela mão, segurando com firmeza. Sabia também ser doce, delicada, dominada. Pura artimanha! Jogo de sedução era o que não faltava na breve vida de Amanda. Podia até mesmo perder. E quem não perde nesta vida? Mas perdia com classe. Não ia embora sem antes carregar consigo os sapatos.

Amanda frequentou camas alheias, conheceu jovens, dividiu a cama com casais. Por vezes, embriagada, experimentou o sexo em estado de delírio. Vezes boas, outras nem tanto. Mas também gozou enlouquecidamente, com sofreguidão, com o suor escorrendo-lhe pelo corpo macio e repleto de cheiros e sabores. Era, afinal, a sua vocação. Fora criada para a existência prosaica, mundana. Para dar e receber. Para produzir sons, gemidos, para ser a cura alheia, para brindar a vida e mostrar aos que cruzassem seu caminho que, por mais ilusória que parecesse a vida, tão desprovida de sentido, ainda assim vivia-se coisas interessantes, intensas, valiosas por si só.

Eis que um dia Amanda adoeceu. Sentiu amargar o coração e começou a esfriar. Algumas coisas não lhe fizeram bem. E assim como veio, se foi. Repentinamente. Chegou e partiu por impulso. A existência curta mas intensa, de uma percepção aguçada, sedenta, sensível. Antes de se calar, no entanto, em um último sopro sentiu, desejou: que venha ao mundo outra como eu!