quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre o fim da copa e a derrota do Brasil para a Alemanha:

Tenho tido um pouco de insônia nas últimas noites e, como resultado disso, tenho passado mais tempo lendo postagens no face.

A maravilha de se ter mais acesso à informação e a possibilidade de se estabelecer uma comunicação interativa, na era da internet, traz como ônus o desprazer de lermos algumas bobagens inacreditáveis, fruto da ignorância e, por vezes, de certa dose de má fé de algumas pessoas (eu não acredito que toda mentira propagada seja criada por mera falta de informação).

A Copa do Mundo no Brasil elevou esse fenômeno ao paroxismo. A eliminação do Brasil gerou uma avalanche de inconformidades, de demônios sendo expurgados, que, afora o esbravejamento emocional puro e simples, plenamente aceitável e até esperado, num momento como esse, beirou ao ridículo quando aliada à razão em estratégia de articulação entre futebol e política.

Li frases como: "essa derrota humilhante foi importante para o Brasil tomar vergonha na cara e parar de pensar em futebol, samba e carnaval o ano inteiro e se preocupar com coisas realmente importantes, como trabalhar". Ou: "viu só, gastamos uma fortuna com essa copa para perdê-la; a culpa é da Dilma", etc.

Uma opinião sem fundamentação é só uma opinião. Para quem quer difundir informações/opiniões com condição aceitável de veracidade, sugiro cuidar as associações que se estabelece.

Em primeiro lugar, ninguém faz uma Copa do Mundo para ganhá-la. Ganhar a copa é uma contingência dos acontecimentos da competição, submetidos à lógica interna do futebol, que deve terminar com um único vencedor. Geralmente esse êxito é resultado de uma combinação entre superioridade técnica e trabalho de preparação, de preferência a longo prazo. Outros fatores também interferem, como o famoso "peso da camisa" ou algum ingrediente motivacional a mais, ou ainda o imponderável do futebol, que o torna tão especial (e que dá chances para que os times inferiores tecnicamente, possam, por vezes, vencer). E só. Se não for assim, algo estará errado, pois são as regras do jogo, apenas, que devem regê-lo. 

Ganhar ou não a copa não legitima nem deslegitima os gastos realizados com o evento e a sua realização em si. Não é porque o Brasil não foi campeão que a copa tornou-se um fracasso político imediato. O êxito da copa, em si, deve ser medido no âmbito da organização do evento, da qualidade da logística, dos investimentos feitos, do futebol apresentado pelas seleções, etc. A validação política (ou não) da copa, em um contexto mais amplo, deve ser feita a partir de uma análise que a coloque em relação com outras questões de natureza política, relevantes para o cenário nacional. A realização de uma copa no Brasil, é uma coisa; o título é outra. Da mesma forma, não seria aceitável justificar todos os erros cometidos caso o Brasil tivesse sido campeão.

De acordo com alguns, o êxito da copa estaria garantido pela compra escusa do título. Maldito governo! Copa comprada. Vergonha. Com o passar do tempo, as opiniões foram mudando. A copa não estava comprada. A seleção fracassou, com seu time fraco tecnicamente (como nunca tinha visto igual), pouco preparado e amplamente pressionado (afinal, não era fácil obter a redenção pela copa de 1950 e, de quebra, entrar para o mesmo rol em que se encontram Pelé, Garrincha, Romário e Ronaldo, ainda mais sem o Neymar, que é ótimo jogador, mas não ainda a ponto de ganhar sozinho uma copa). O Brasil foi um fiasco. Perder de forma vexatória em casa. Imagina se a Argentina sair daqui campeã! Maldito governo! Copa vendida. Vergonha.

Os argumentos que relacionam o fracasso dentro das quatro linhas a uma falência da política nacional e do governo atual são de fundo mitológico, no mal sentido do termo. É como se qualquer acontecimento, com apelo popular suficiente para causar uma comoção nacional, pudesse ser convertido magicamente em elemento explicativo da nossa desgraça. É quase como um vício de explicação. Uma retórica sem fundamento, repetida milhares de vezes, por milhares de pessoas, que não parecem estar pensando no que estão dizendo. Vejam bem: a copa foi organizada pelas autoridades brasileiras e pela FIFA. A seleção brasileira é administrada pela CBF (entidade privada). Os clubes de futebol e os empresários, responsáveis pela geração de novos talentos, hoje escassos no país, não são administrados pelo governo federal. Se o governo tivesse metido a colher, comprado a copa, regulado as questões inerentes ao futebol em si, não faltaria quem o a acusasse de autoritário, interventor, corrupto...

Além disso, mais uma vez exala pelos poros o nosso famoso complexo de vira-latas. A derrota humilhante foi comemorada por alguns, que a consideraram um castigo para quem vive de samba, carnaval e futebol. Foi como aquela expressão: bem-feito! E se tivéssemos vencido, será que essas pessoas chorariam a nossa vitória? Será que a Alemanha mereceria uma dura derrota, como castigo por pensar só em cerveja, futebol e disciplina? Nem entrarei no mérito de discutir os estereótipos, porque é claro que sabemos que não é verdade que os brasileiros só pensam em samba, carnaval e futebol. Dormimos em torno de 8 horas por noite. Trabalhamos até 44 horas semanais (mais que nos países da Europa, podem conferir). Temos avançado aceleradamente no que se refere à educação (há problemas, sim, mas não estamos parados). Samba? É ótimo, mas tem gente que não gosta. Carnaval? Em fevereiro até que agita o país. Na Alemanha tem a Oktoberfest, que imitamos no sul do Brasil. Futebol, assistimos duas vezes por semana, no máximo, e se trata de um esporte apreciado no mundo inteiro, especialmente na Europa (não é à toa que tem a repercussão que tem e que movimenta tanta grana).

No fundo dessas percepções reside o mau e velho espírito colonial, com todas as suas interpretações deletérias do mundo "não desenvolvido". Aquelas dicotomias, como moderno x atrasado ou civilizado x não civilizado. Gente, o Brasil não é menos evoluído que a Europa. Não devemos perder no futebol porque temos que nos preocupar com saúde e educação. Sim, temos que nos preocupar com saúde e educação, e isso é prioridade, mas podemos fazer isso ganhando no esporte, aproveitando o carnaval ou apreciando a música que quisermos. Por que o samba ou o pagode são motivos de vergonha? Acaso o rock, com suas letras não raro toscas, é muito melhor? Existem sambas ruins. Mas outros são muito bons, e o mesmo vale para o sertanejo, para o funk, para o forró.

Criticar este ou aquele governo tampouco me parece um bom motivo para torcer contra o país. Gente, o Brasil tem muitos problemas. A organização da copa foi autoritária. A FIFA se beneficiou de um Estado de exceção. Existe corrupção. Sim. Mas a corrupção não foi inventada pelo PT, muito menos o autoritarismo e a repressão à sociedade civil e aos movimentos sociais. O governo atual também não inventou a inflação, a criminalidade e o investimento mal feito. As críticas vêm de ambos os lados, tanto de uma esquerda progressista e militante, ansiosa para dar novos rumos ao país, encorajada pela força demonstrada nas ruas, quanto de uma direita reacionária, enraivecida e desejosa de retomar o poder e suas velhas estruturas conservadoras. Não pretendo votar na Dilma, muito menos em sua oposição à direita. Mas, que fique claro, é inegável que o país tem mudado para melhor. Temos progredido em termos de educação, de erradicação da pobreza, de garantia de direitos às minorias. Por outro lado, ainda precisamos avançar, e muito. É preciso tornar o Brasil um país mais laico, mais independente, mais justo, mais democrático, menos racista, menos desigual, menos machista.

Os desafios estão postos aí, à nossa frente, e agora não adianta mais fazer coro contra a copa. Eu, particularmente, oscilei entre ser a favor e ser contra. Inclinei-me a ser contra nos últimos um ou dois anos. Acho que o movimento contra a copa foi super válido, pelo seu significado político. Mas a copa aconteceu. Do ponto de vista técnico, foi a melhor copa que assisti, desde a copa de 94 (até melhor que a de 94). Quanto à organização, acho que fomos muito bem sucedidos, embora com algumas falhas pontuais. A seleção perdeu? Perdeu. Mas não tinha time para ganhar. Só teria vencido na base do milagre ou se a tal conspiração petista ditatorial comunista realmente existisse. Agora é a hora de encerrarmos a copa com dignidade e de valorizarmos o Brasil como país. O acirramento das questões políticas continua, não era contingência da copa. Estamos passando por um momento singular. Que o debate se aprofunde, com bons argumentos, sem essa retórica pobre e falsa, de aproveitar um grande evento, como a Copa do Mundo e o fracasso da seleção brasileira, para desqualificar irracionalmente o país, sua cultura e o seu governo (que pode e deve ser criticado, mas de forma coerente). Isso se chama oportunismo vira-latista de ocasião. E que venham as mudanças!

quarta-feira, 20 de março de 2013

A morte de Amanda: crônica ou ensaio mal acabado

Amanda morreu jovem, quase como começou. Nasceu devassa, com medo do desconhecido, mas com muito mais desejo, mais vontade do que medo. Às vezes hesitava, mas nunca deixava de realizar suas fantasias. Era promíscua, mesmo, porém vivia em paz com sua consciência, certa de que estava fazendo bem para si mesma e nenhum mal para os outros. Que mal poderia haver nisso? Puro feitiço disseminado pela moral esse de achar que Amanda era um ser repugnante. Nuvem de poeira jogada nos olhos dos homens de pouca visão.

Não chegara a sofrer desse mal, no entanto, o mal dos julgamentos. Estava protegida pelas máscaras que tornavam seus comportamentos invisíveis aos corações mesquinhos. Em todo caso, protegia-se. Quando estava entre pares, era um deleite só. Uma miríade de deleites, uma pluralidade de expressões vulgares que faziam-na transcender pela luxúria, pelo prazer de estar errando, ou melhor, de acertar errando, de comer e ser comida, de comer a si própria.

Amanda era jovem mulher selvagem, uma besta. Atiçava homens e mulheres e os atraía para seu reduto mais íntimo a fim de devorá-los. Às vezes homem, às vezes mulher. Às vezes ambos. Seu termômetro era o desejo, e que termômetro mais quente era o que aferia a temperatura do sangue fervilhante de Amanda!

Nasceu impura, consciente de jamais ter sido donzela. Nasceu pensante e pronta para as delícias do desfrute do corpo e de sua entrega ao prazer. Nem sempre sem dor, é bem verdade, mas ainda assim prazer. Rompeu paradigmas, estereótipos. Desfez o conceito de passividade feminina: era ativa, dominadora. Se queria, ia buscar. E trazia pela mão, segurando com firmeza. Sabia também ser doce, delicada, dominada. Pura artimanha! Jogo de sedução era o que não faltava na breve vida de Amanda. Podia até mesmo perder. E quem não perde nesta vida? Mas perdia com classe. Não ia embora sem antes carregar consigo os sapatos.

Amanda frequentou camas alheias, conheceu jovens, dividiu a cama com casais. Por vezes, embriagada, experimentou o sexo em estado de delírio. Vezes boas, outras nem tanto. Mas também gozou enlouquecidamente, com sofreguidão, com o suor escorrendo-lhe pelo corpo macio e repleto de cheiros e sabores. Era, afinal, a sua vocação. Fora criada para a existência prosaica, mundana. Para dar e receber. Para produzir sons, gemidos, para ser a cura alheia, para brindar a vida e mostrar aos que cruzassem seu caminho que, por mais ilusória que parecesse a vida, tão desprovida de sentido, ainda assim vivia-se coisas interessantes, intensas, valiosas por si só.

Eis que um dia Amanda adoeceu. Sentiu amargar o coração e começou a esfriar. Algumas coisas não lhe fizeram bem. E assim como veio, se foi. Repentinamente. Chegou e partiu por impulso. A existência curta mas intensa, de uma percepção aguçada, sedenta, sensível. Antes de se calar, no entanto, em um último sopro sentiu, desejou: que venha ao mundo outra como eu!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Eu pensei em escrever este texto ontem, mas estava me sentindo muito cansado e confuso, então desisti. Não que eu não esteja me sentindo assim agora, pois, na verdade, estou com os olhos embaralhados, com dor de cabeça (minha velha amiga, que sempre me acompanha), com sono, influenciado pela clima de chuva e vento, que não vejo, mas posso ouvir.

Estou pensando muito há um bom tempo acerca de algumas coisas importantes. Conheço um cara que viu boa parte da vida passar diante de seus olhos, sentado em frente à janela, mirando pelo lado de dentro, com o vidro batendo na cara. Privou-se de quase tudo. Em alguns casos, não havia o que fazer. Era questão de carência, de necessidade, de ausência de condições mínimas para a realização de desejos. Em muitos outros, no entanto, privou-se por conta própria, acreditando estar assim fazendo o que era mais nobre, mais condizente com sua fina personalidade. Outras vezes, simplesmente pensou em não magoar, em não decepcionar, em não ser ou parecer uma pessoa ruim.

Aí o tempo passou e o cara começou a se dar conta de algumas coisas. Percebeu que o que parecia vil era na verdade fonte de prazer, de curtição, de felicidade, ainda que efêmera, mas mesmo assim felicidade, e ainda se deu conta de que, com todas as suas boas intenções, estava virando as costas para a vida, rejeitando o que havia de bom por tomar-lhe como inferior. Preconceito desvelado! Se ao menos um dia ele tivesse se dado conta de que era só mais um mortal! Era como se a vida não tivesse tanta importância, e sim o legado para a posteridade. E quem veria, leria, julgaria? Isso mudaria o quê? Percebeu também que seu altruísmo era em grande parte narcisismo e que, em toda a abdicação, havia um pouco de um desesperado desejo de provar para si mesmo ser o melhor; algo em que, pelo jeito, nunca conseguiu de fato acreditar.

Estava indo pelo caminho dos grandes homens, daqueles que não vivem para si, mas para um ideal, para uma mudança arrebatadora. Mais uma vez abdicou de sonhos profanos por achar-se superior. Torcia o nariz para a existência comum. Não deixava-se deleitar, viver, amar. Não, não era porque não gostava do prazer, mas porque aquele prazer que lhe batia à porta não servia, não era bom o suficiente. O tempo passou e ele sentiu que os ídolos já haviam morrido. Eram nada mais que a representação em outro nível daquilo que ele já havia criticado. Decepcionou-se. 

O engraçado era o paradoxo do prazer. O mesmo vil prazer que rejeitava, o amedrontava, fazendo-lhe sentir-se patético, literalmente um ser inferior. Quando deu-se conta de loucura de tudo isso, ainda assim permaneceu preso aos grilhões do altruísmo. Era como se pensasse intimamente: nunca se deve ser o primeiro a ser feliz. E assim perdeu um tempo precioso, um tempo que não volta mais. Longos anos que, por vezes, parecem nem mesmo ter existido. Era como se tivesse desprezado a vida porque, assim, um dia seria pleno e feliz no reino dos céus. De repente, depois de muito tempo, viu que havia sido enganado. A felicidade deveria ser alcançada aqui, agora, sem tempo a perder. Mas e o que seria daqueles preciosos anos perdidos? Poucas conquistas, algumas realizações. Ora, era muito pouco. Absolutamente muito tempo. Tinha ludibriado a si próprio em nome de algo em que agora não mais conseguia acreditar. E o pior é que não bastava a consciência e a mudança, a realização no presente. Queria o passado também. Quer o passado. Não sabe como lidar com isso. É possível viver uma década na década seguinte? As coisas realmente mudam com o tempo e só as criaturas estúpidas é que não sabem disso.

Hoje não está em paz. Está bem melhor, pode-se dizer, mas precisa lidar com seus fantasmas. Tem medo de repetir tudo outra vez, tem medo de envelhecer, medo de morrer. Quer viver tudo intensamente agora para poder se sentir um pouco menos idiota. Mas sabe que não pode ter tudo. O problema é que não sabe até onde conseguirá ir com tamanha frustração. Quer ganhar o que não tem, mas não quer perder o que será colocado em risco. Acredita que não deve negar suas emoções, mas de vez em quando vem tanta coisa ruim que fica a dúvida sobre o que é melhor fazer. Decidiu que não será mais escravo da ilusão e da bondade, e que se tiver de destruir, assim o fará. Só precisa aprender a lidar com isso. Encontrar o sentido de que o que está de pé às vezes precisa ser derrubado, para dar lugar a algo novo e vigoroso. Hoje está aprendendo a viver, veja bem, a viver. Ainda não chegou lá, mas acho que está no caminho certo.

Difícil mesmo é resolver as contradições que envolvem o tempo, as pessoas, os desejos e as atitudes. O que é melhor? Se tivesse certeza, seria tão mais fácil. A única certeza é a de que falta alguma coisa. Algo precisa ser feito, senão a insatisfação nunca irá embora. Mas será tal sensação fruto do que imagina? Será que a cura vem de onde suspeita? Nos turbulentos tempos de mudança sentiu que precisava se apegar. Daí veio o carinho, o amor, a realização. Mas nem isso escapou à força de uma insatisfação que vem de longe e que insiste em latejar. É como se quisesse tomar suco de laranja e comer a laranja ao mesmo tempo. Quando era infeliz, queria ser livre e gozar intensamente de todos os prazeres advindos da liberdade. Mas quando rompeu as grades percebeu que lhe faltavam as pernas. Mudança repentina de valores, de anseios, de desejos. Procurou e encontrou novos laços, experimentando assim felicidade, loucura, paixão e satisfação. Será que tudo isso não vale mais e deve agora ser substituído? Não creio! Parece que a frustração e a insatisfação sempre dão um jeitinho de se encostar. Nunca está satisfeito. Sempre sente falta de alguma coisa. Se há uma origem nisso, a mesma deve se encontrar nos anos de repressão voluntária. E o que se faz agora? Basta localizar culpados? É muito menos uma questão de punição que de premiação. É difícil lidar com o coração de alguém assim.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Hoje o meu momento nostálgico não foi com a ex, com o Bruno, com minha família. Não foi com a escola, com o coral e com os guris, bons tempos em que tocávamos juntos. Não foi com Cachoeirinha ou Porto Alegre, com a UFRGS. Não, foi contigo. É impressionante o que o tempo faz com a gente. Transforma vida em lembrança, momento impensado em passado inesquecível, emoções do agora em sentimentos da recordação.

Revivi vários momentos do nosso relacionamento, com o auxílio da tecnologia, é bem verdade. Senti de novo o ciúme do início. Meu estômago chegou a doer. Não quero explicar como fiz isso, mas... digamos que "cavoquei"... Lembrei de toda a magia dos primeiros meses, das descobertas, das mudanças malucas, da convergência bombástica de explosões familiares, das primeiras brigas, de toda a delícia do sexo... Bom, hoje mesmo sentimos enlouquecidamente o cheiro de nossos corpos, molhados de suor pelo contato leve mas intenso, forte... Bom, já está mais que explícito.

O fato é que toda esta experiência de vida que é um relacionamento pode ser facilmente transformado em rotina e perder a miríade de encantos de que hoje em mente e espírito desfrutei. A memória e o coração são estúpidos, às vezes, e só entendem a língua da mediocridade. Ainda bem que hoje transcendi as emoções comuns, elucubrando de maneira sentimental. 

Sabe o que é sentir explodir aquele amor no peito? Não só o amor cúmplice, respeitador, do dia-a-dia, do presente. Também o amor efusivo dos momentos em que tudo em ti era mistério. Também aquele amor que não sabia se podia confiar, se prender. Tudo de velho rejuvenescendo e mostrando sua força, sua atualidade, teu lugar em meu peito. Te amo, Aline. Nossa! Eu sei como és especial, e olha que te disse isso já em nosso primeiro encontro, tomando como referência tuas expressões, modo de falar e, principalmente, teu olhar límpido, sincero, que não se preocupava em esconder o que havia de dor e caos.

Ah, muitas (re)descobertas nestas noites de insônia...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Este blog é frio. Um gélido sopro percorre a espinha destes textos, um tanto quanto desconexos, mas inevitavelmente esquadrinhados, delimitados, pré-concebidos. Tá bem, nem tanto ao céu nem tanto à terra. Eles não são assim tão "bem" encaixotados. O problema é que sinto raiva de mim mesmo por ter perdido aquela gana de escrever com o coração. É tanto trabalho, rotina, metas. Você precisa cuidar sua camisa, Fernandinho. O que os outros vão pensar, você já parou para pensar nisso? Controle-se, use camisinha, a água vai acabar! Apenas duas folhas de papel para secar as mãos. Mas que porra é essa? Por todo lado estamos sendo doutrinados! E o foda é que o cara começa a trabalhar e em pouco tempo já está igual a todos os outros. Deleuze tinha razão sobre a sociedade de controle. Não é preciso fazer muita coisa para exercer poder sobre mim. Caralho, e não é que semana que vem eu vou aplicar exames? Eu teria vergonha de mim mesmo anos atrás, se visse isso acontecendo agora. Dá vontade de dizer baixinho: rasga aquela parte sobre o exame de Vigiar e Punir. Eu queria voltar a escrever com meu sangue, pois o tempo passa e ele continua a ser derramado, e a escrita se torna uma espécie de sacralização do meu próprio sangue, mas eu já não sei mais se consigo acreditar nisso. Quero tentar escrever por ímpeto, bem no estilo "me deu vontade, vou escrever no blog". Quero escrever direto, sem medo das palavras, das vírgulas, sem cuidado com o estilo, com a norma; quero escrever com erros, pois quem disse que o pensamento é indefectível? Quero que as contradições apareçam, os enganos, mas com isso também as fantasias, os medos, os delírios,  os desabafos, os gritos, as crises de ansiedade. A escrita é só parte dessa respiração vital que pulsa no meu ser corpóreo, estou aprendendo a lidar também com o resto, com as atitudes, com a grande dificuldade em dizer "não", com a imposição de limites, com a exploração do desejo, entre outras loucuras (no bom sentido da palavra) que emanam dessa criatura multifacetada que sou eu. Vou escrever com a pena e com o martelo, vou expulsar os demônios de meu rizoma sentimental, assim, de bate pronto, e assim serei eu mesmo nas letras, sem a interferência da lupa metódica, das edições corrompedoras de sentido, da vaidade de transformar arte do interior em arte do exterior. Não sei, pode ser que isso não dê certo. Mas foda-se. Acho que estou precisando de um raio X da alma, e, ao invés de ponderar e deixar passar, como sempre, vou explodir por aqui, só às vezes, só para depois lançar novo olhar sobre mim mesmo. E seria falso negar que serei observado. Não sei se lido com isso com constrangimento ou se me apego aos flashes. É costume nosso lidar com a observação e transformá-la em substrato para o egocentrismo. Não sei, não quero pensar sobre isso agora. Não sei qual será o impacto disso, talvez me sirva de motivação e atice algumas vontades, talvez iniba minha caminhada com olhos no espelho. Estou com sono e acho que é melhor parar por aqui, postar esse texto e usá-lo contra mim depois, como se eu tivesse escrito um bilhete para mim mesmo: tá, e aí? Acho que eu quero denunciar a morte dos ídolos, porque, por mais que já estejam mortos há tempos, muita gente ainda não percebeu.

sábado, 12 de novembro de 2011

Crônica

Sobre o amor

Os três ideais da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, até hoje inalcançados em sua plenitude, ainda comovem e causam dor, conduzem sonhos e provocam guerras. Tais ideais não se referem apenas à ordem política, à vida pública das sociedades humanas, senão que também motivam a existência dos indivíduos, o cotidiano, as relações entre as pessoas que, por trás de suas funções, cargos, direitos e obrigações sociais, são somente pessoas, seres racionais e sentimentais que anseiam desesperadamente pela felicidade, por algo em que se agarrar para sentirem que a vida vale a pena, que há porque levantar-se todos os dias, ao invés de permanecer no seu leito em sono eterno.
Poucas coisas são mais expressivas, nesse sentido, que o amor. É, o amor. Aquilo que se sente por algo ou alguém quando desejamos a esses, do fundo do coração, o que há de melhor em nós, quando pensamos nesses antes que em nós mesmos, quando sentimos que aí, nesta explosão interna, encontra-se uma razão para viver, e mais, uma motivação autossuficiente para a felicidade, um bem-estar de si para si. O amor também deve se adequar aos ideais da revolução francesa. Não é por acaso que os mesmos ainda hoje são tão caros, tão desejados. O bom e o bem não podem escapar da justiça, da busca pelo que é mais plausível, digno e simétrico. E tal sentimento está entre o que há de mais nobre e belo no mundo. Assim, deve coadunar-se a princípios da mais alta estirpe.
Quem ama a outrem, é fraterno, ou tem de ser. Que raio de amor seria capaz de preocupar-se apenas consigo? Ou com o outro? Trata-se de um sentimento que exige reciprocidade e, portanto, divisão, distribuição, ganho mútuo. Quem ama, ama para ganhar, mas para ganhar em conjunto. E se for para perder, que se perca em parceria. O ideal é ser fraterno, é estender a mão, é fazer de dois, um só. Amor egoísta encerra-se em si mesmo. Definha, em razão de sua mediocridade. Não se pensa só em si, pois aí não há uma relação entre iguais, mas uma relação de exploração, de usurpação, de domínio, ou seja, uma alienação do amor. No entanto, não se pensa somente no outro, uma vez que o outro é tão importante quanto nós mesmos, mas não mais importante. A fraternidade é uma via de mão dupla.
E é aqui que entra a questão da igualdade. Um amor entre duas pessoas nunca é um amor de iguais. A diferença é uma das maiores belezas humanas, é o que nos diferencia das próprias criações humanas, medíocres e padronizadas. Mas uma relação deve sempre apresentar-se, para prosperar, em condições de igualdade. Igualdade de sentimentos, de sonhos, de interesses, de perspectivas. Igualdade de trocas, de carícias, de receios. Quem ama, quer dar e receber. E não há amor que resista à doação unilateral. Pois quem só dá, é explorado. E quem quer ser explorado, ao menos conscientemente? E quem só recebe, sente-se confortável com isso? Deita a cabeça no travesseiro e dorme como um urso no inverno? Pode até ser que sim, mas aí é o caso de alguém que ainda tem muito o que aprender antes de se propor a estabelecer uma relação digna e profunda de amor, de desejo, de carinho. A igualdade é condição fundamental para o avanço simétrico da inter-relação entre duas pessoas. É um alicerce. Pode até não existir em uma relação, mas aí a via de mão dupla se deturpa, e tudo o mais se torna, cedo ou tarde, exploração de uma parte pela outra, como uma corda que sustenta um balanço. É muito fácil ser banco, e mais fácil ainda sentar-se no mesmo. Difícil é ser corda, e esticar até quase arrebentar. Cabe, aqui, uma ressalva. A igualdade deve ser espontânea ou desejada, e não imposta. Só quem sabe o que é a tirania dos autoritarismos, em quaisquer de suas formas, é capaz de entender que não se cria igualdade por decreto. Tal sintonia, muitas vezes, existe ou não, e nada se pode fazer a respeito. A vida dá-nos circunstâncias, pré-disposições, interesses. No amor, tudo isso se cruza, e compete um pouco ao acaso ajustar este espectro de potencialidades entre duas pessoas. Às vezes instaura-se uma condição de relativa igualdade. Outras vezes, não. É por essas e outras que o amor não está no plano da razão. Não dá para fazer previsões, ajustes forçados. A vida é maior que nós mesmos, como as sensações são maiores que a racionalidade.
E por fim, vem a liberdade. Ah, doce liberdade, que faz com que tantos percam a vida. Antes a morte que a privação de si mesmo. Ora, o amor só é verdadeiro se se ama livremente, se se é livre para seguir os impulsos do coração. É possível fechar-se eternamente a uma só pessoa e mesmo assim ser livre, pois a liberdade está em se fazer o que se quer. Também é possível não prender-se a ninguém, e amar por uma noite, por uma tarde, por uma estação. O que importa é a liberdade, a não opressão, a autonomia, a busca incessante pela felicidade, que não pode ser encontrada se desde o princípio tivermos nosso faro tolhido, nossas condições de realização pré-determinadas. O amor, por definição, já é um sentimento livre, pois se ama a quem se quer, ou a quem se consegue, e não a quem se nos é dito para amar. Não se cobra amor.
Enfim, creio que um sentimento tão nobre como esse só pode ganhar vazão se for à luz dos ideais acima explicitados. E, olhando com profundidade em teus olhos, contemplando teu sorriso encantador, sinto instantaneamente que o nosso amor é fraterno, está em igualdade e, acima de tudo, é composto por imensa liberdade, que é a de estarmos fazendo exatamente o que queremos, isto é, seguindo nossos instintos, desejos, anseios. Por vezes há percalços, ciúmes, egoísmos de parte a parte, o que é normal, diria até, humanos que somos. Mas, de maneira geral, vejo nosso relacionamento muito mais próximo desta forma bonita de amor do que daqueles sentimentos lúgubres, mesquinhos, dos quais nos esforçamos tanto para fugir. É tão bom estar contigo...

DLBJ

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poema da morte

Da retidão

E, na hora da morte, olhava para cima
O nariz, empinado
“Curva-te, pois quero que, prostrado, sintas teu sangue escorrer”
Disse-lhe o carrasco
Com olhos de fúria, respondeu
“Vergarás meu corpo, jamais minha alma
É assim que se morre"

DLBJ