segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Fábula

A cigarra e a formiga: outra versão

       Estava a formiguinha trabalhando, carregando folhas pesadas durante o outono, quando avistou a cigarra, livre, despreocupada, saltitando e cantarolando.
- Cigarra, você não junta água e comida para o inverno que se avizinha?
- Para que juntar? Se a terra me dá tudo de que preciso em abundância...
- Mas no inverno não é assim. Se você não começar a trabalhar agora, passará fome e sede. Se não construir um abrigo, morrerá de frio.
- Entendo. Você não deixa de ter razão. Mas, por outro lado, vocês passam o ano inteiro trabalhando, preocupadas com o inverno, que é a única estação ingrata do ano.
- Você não acha que deve trabalhar, que deve se precaver?
- Talvez. Mas é preciso ter coragem para viver. É preciso ter força, ter espírito, ter paixão. Vou trabalhar, de quando em quando, mas não vou deixar de viver.
- E se o inverno vier e você não estiver preparada? E se o teto faltar? E se os víveres não forem suficientes?
- Tantas dúvidas, tantos medos! E olha que nada disso aconteceu ainda. Há milhões de anos vivemos neste planeta, nós, cigarras, e tantos invernos rigorosos já passaram... Continuamos aqui, vivas e felizes, mesmo depois do frio e das intempéries.
- Pois nós, formigas, temos responsabilidade, vivemos com os pés no chão. Não é o sonho que nos move, mas a dureza da realidade.
- Entendo a vida de vocês, mas não sou assim. As cigarras são livres e indomáveis. Talvez por isso tenhamos asas e as formigas não. Talvez eu prove das agruras do inverno, e de repente nem assista à chegada da primavera. Mas arrisquei e vivi, e fui feliz, e trabalharei sim, mas não a ponto de comprometer todo o resto da minha existência.
- Já as formigas terão um inverno seguro, aquecidas, bem alimentadas, bem acomodadas.
- É claro que sim. Mas e o que ocorre com vocês nas outras três estações do ano? Vocês passam a vida a trabalhar, com medo de enfrentar um inverno longo e escuro. Acaso puderam voar com as folhas caídas do outono? Aquecer-se, paradas, com o tórrido sol de verão? Sentir o cheiro das flores na primavera? Pode ser que o inverno venha mais forte e a nevasca me retire tudo. Mas, ainda assim, terei contemplado a beleza da vida.
- Bonito isso. Gostaria de ver por este ângulo. Mas não há tempo para pensar. Agora tenho que trabalhar.
       E a formiga seguiu sua trilha de formiga, doutrinada por milhões de anos de instintos programados. E a cigarra seguiu cantando, e dançou com a brisa de outono que soprava forte, dando vida às plantas da floresta.
       O inverno chegou, rigoroso. A formiga não pôde ver a cigarra dar seus últimos sopros de vida, carente de água e comida, fraca e desabrigada. Se o fizesse, teria encontrado uma cigarra feliz, de vida breve e intensa, de sorriso nos lábios, mesmo diante da morte, do frio e da fome.
       E o inverno passou. De volta à superfície, a formiga seguiu sua vida de formiga, prostrada, trabalhando incansavelmente, preocupada com mais um inverno que viria e que ela, talvez, nem vivesse para ver.
       A cigarra havia morrido para aproveitar a vida, ao passo que a formiga renunciava à própria vida por temer a morte.

DLBJ

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