segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ensaio

Suspiro, ou o despertar do sono

O que é a mudança, na vida, senão um ato de coragem? A existência é um movimento permanente, movimento do corpo, do espírito, de todas as coisas. Estamos em constante movimento, porque, além de nosso agir, existe todo um movimento cósmico, que conduz a tudo e a todos mesmo que nós, humanos, não consigamos perceber. É o modus operandi do universo. Mas, por outro lado, condenados aos limites de nossa inteligência e percepção, tendemos a enxergar o movimento apenas naquilo que fazemos e que nossos semelhantes fazem, naquilo que observamos, quase “objetivamente”, de ação realizada pela natureza e pelas demais forças móveis do cosmos. Aí surge um impasse. Talvez aqueles grandes eremitas ou monges, que dedicam anos de suas vidas à meditação, consigam perceber, ainda que minimamente, o quanto estamos doutrinados a conceber a vida de uma forma, não diria ilusória, mas única, isto é, de uma certa forma, entre tantas outras formas de percepção que existem no universo, que escapam à nossa limitada conjunção de sentimentalidade e racionalidade (animais que somos). Talvez um índio, conduzido por seus rituais sagrados de entorpecimento, possa ver além, e rir de tudo o mais que observa na existência humana. Mas não nós. Nós, criados em sociedades de Estado, sob a égide do poder, ocidentais, burgueses, domesticados, docilizados, reprimidos, contidos, calculistas, analistas, moralistas, individualistas, consumistas, sádicos e masoquistas. Nós jamais chegaremos à beleza da compreensão do cosmos de um índio fechado em si mesmo, mas aberto para tudo o que existe. Tampouco a nossa ciência, que é filha de todo este conjunto de características limitantes que definem, grosso modo, o nosso jeito moderno de viver, o nosso ethos. Não se trata aqui de uma crítica virulenta à nossa mediocridade, apenas de uma constatação. Que mal há em se dizer a verdade? Que me desculpem os entusiastas da humanidade e de todas as gloriosas conquistas da civilização, mas vocês não são ninguém, não são nada. Aliás, até são, mas não mais que a pedra que dorme no leito de um rio, que o beija-flor que, parado, consegue bater suas asas, que o oxigênio que circula pela atmosfera e que entope os seus brilhantes cérebros. Como disse, nada de crítica ácida. Apenas uma pitada de realidade. Então, a partir deste momento, o que fazer? Se somos tão pouco, se somos mera parte de toda a unidade universal? Para que dominar e destruir? Para que subjugar? Só se for para comprovar, ilusoriamente, nossa superioridade que, insisto, é produto de nossas próprias cabeças doutrinadas que não concebem a verdade, mas uma verdade. Reles seres que somos. O doente do espírito agora diria: que me resta, além de me matar? Pode ser, não nego que seja uma alternativa viável. Mas sugiro que se encare a coisa por outro lado. Admitindo a nossa não superioridade, também não precisamos carregar todo o fardo que a mesma implica, todo o peso de sermos os melhores e os responsáveis por conduzir o futuro do planeta, quiçá do universo. Já é alguma coisa. Além disso, uma vez que Eva e Adão comeram o fruto proibido e que não podemos mais retroceder à inocência pregressa, é necessário buscar um estado de equilíbrio. Sabemos quem somos, mas não conhecemos nossos limites. Devemos exercer nossas potencialidades, mas o fazemos de maneira errada, ou seja, contra tudo e contra nós mesmos. Potência significa capacidade de ação, e a ação deve se dar no sentido de buscar alguma coisa, que, no caso dos seres humanos, talvez seja a felicidade (aquilo que nos deleita). Mexer-se é ter coragem para ir ao encontro da felicidade. Insistimos em existir recorrendo aos polos, ora o apolíneo, ora o dionisíaco. Mas, para quem não percebe a vida de maneira compartimentada, tal diferenciação não faz muito sentido. Tudo é experiência, e experiência é vida, e pode ser felicidade, dependendo de como agimos e daquilo que sentimos. Cabe, aqui, uma ressalva. Que minhas elucubrações não sirvam erroneamente para justificar toda e qualquer atitude. Lembre-se de quem somos. Não os senhores do universo, mas uma pequena parte da eterna movimentação cósmica. Assim, é fundamental que, ao agir, ponderemos os fatos e as instâncias de acontecimento das coisas. Deve-se experimentar as mais diversas possibilidades da existência humana. Porém, ao mesmo tempo, deve-se cuidar para não incorrer em uma postura individualista, pois a mesma contraria toda a lógica aqui proposta da unidade universal. Em suma, não há fórmulas para a vida humana, até porque não somos completamente responsáveis por todos os eventos que se desenvolvem ao longo de nossa existência. As coisas às vezes fogem ao nosso controle. Mas a grande burrice humana está no fato de que, muitas vezes, gastamos nossa potência, fazemo-nos superiores e, com isso, destruímos a nós mesmos (e a todo o universo das coisas não-humanas) e subjugamos nossos próprios desejos e vontades. Envergonho-me disso. Sobretudo porque enxergamos aí a virtude (educados por uma moral repressiva, não era de se esperar outra coisa). O que “diria” disso o leão? O pássaro? A abelha? A água, que insiste em correr? Somos covardes megalomaníacos. Julgamo-nos senhores de tudo e somos escravos de nós mesmos. Nada contra a tradição cultural do mundo moderno, ocidental. Somos filhos de quem somos, e não é uma questão de renegar toda a nossa história. Mas permanecer na mesmice modorrenta me soa tão medíocre, tão infeliz. É possível reconstruir nosso caminho, nem que seja num plano pessoal, subjetivo (quem sabe algo mais, só o tempo é que pode mostrar). A felicidade de cada um, de cada ser humano, tem seu valor. É claro que a mesma não vale mais que a primavera de um urso ou que as carícias da chuva, para uma árvore, mas esta é outra questão. Algumas considerações devem ser sabidas, no entanto: não se está sozinho no universo e, portanto, é preciso zelar por todas as coisas; mas, simultaneamente, é imprescindível o exercício da potência e da virtude, e virtude se exercita com coragem, coragem para não esmagar a outrem e, principalmente, para não provocar, em nome de uma ética hipócrita e traiçoeira, a anulação de si mesmo.

DLBJ

Post-scriptum: Não sou um grande fã de Nenhum de Nós, mas, no momento, esta música me diz algumas coisas...

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